...É com pedaços... é belo.
Tudo fica vazio e cortado aos bocados.
É estranho ser cortado e não sentir...
Ver-me mas não me ver...
Depois acordou e não se lembra do que se passou.
Lembra-se de eu o ter cortado todo com a minha lingua, afiada e dourada...
Era como se eu, que não era eu, fosse uma serra oleada, que não cortava... só sorria.
Acho que lhe deram algo para beber... mas não se lembra.
Ele encontrou-me no outro dia, mas não lhe falei palavras. Só lhe devolvi o coração, um músculo vermelho e frio que me desiludiu... era frio.
Fugiu comigo aos ombros, tinha a expressão da amargura no rosto como se dissesse que os demónios de branco magoam.
Ele não fugia...
Disse-lhe sem palavras que estava cansada e pedi-lhe que me carregasse aos ombros... ou de rastos pela floresta...
... só queria sonhar.
Queria também alguma coisa para beber.
É que eu nunca tinha fugido para a floresta...
Fujo sempre para o meio das estradas, ou para as muralhas e corro depressa até que ele me consiga parar no meio do caminho.
Como demónio amo-o... e como anjo magoo-o...
Mas eu nunca o magoei.
Sou o demonio dele com o meu anjo de asas partidas encolhido dentro de mim... deste corpo pálido e frágil...
Fugi. Fujo sempre.
Fico á espera que ele me encontre e que chore, grite e uive por eu estar cansada e não querer voltar.
Depois peço-lhe com os olhos para me levar.
Não é nada de vingança... Não sou assim.
Ele nunca me fez mal. Não podia vingar-me dele.
Ele era eu e eu era ele.
No outro dia encontrou-me e eu não lhe disse nada... mas ele viu que eu estava a chorar.
Nunca ninguém quis acreditar-nos juntos e felizes. Ou muito poucos então.
É que ninguém entende a histório de nós os dois.
Nem ele!
É que nós não somos dois, somos só um.
Ele e eu e mais ninguém.
Estamos sózinhos entendem?
Ninguém nos conhece. Ninguém nos fala.
É como a ti!
Ninguém te conhece ou fala realmente, não é?
Ele acha que um dia vai acordar, ele sabe que vai, e que eu também vou estar ali ao lado dele, a chorar...
Estou sempre a chorar.
Nasci assim.
Não, eu não quero que ele conte nunca o nosso amor!
Não...
Só o chorar...
Lugar à Cultura 24Fevereiro 2010 Parte3
Há 13 anos
1 comentário:
Não recordo ter alguma vez chorado por ouvir palavras escritas...até hoje. parabéns. "um beijo para ti e para mim também, obrigado"
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